Rio de Janeiro, 3 de junho de 2025.
Escrevo esta coluna em forma de carta, porque estou apaixonado e, segundo o manual dos enamorados, carta é o meio mais poético para declarações de amor. Dito isto, informo a todos que me apaixonei perdidamente por Barbalha, pela Festa do Pau da Bandeira, pela força do povo do Cariri e estou em completo estado de frisson pela descoberta de que é possível amar o Ceará ainda mais. Providência de Santo Antônio, sem dúvidas.
Viajei a convite do querido amigo Max Petterson e participei da estreia do projeto Eh do Cariri, uma iniciativa que une arte, festa e tradição para mostrar ao Brasil a riqueza cultural do coração do Ceará. Suspeito que Max se aliou ao santo casamento numa grande operação cupido, onde todo mundo caiu de amores por esse pedaço do sertão cearense.
O Cariri sempre foi um lar pra mim. Minha avó paterna, Dona Chiquinha, era uma indígena de Caririaçu e sempre tive muitos amigos nesta região.
Boa parte da minha formação artística também aconteceu por lá, onde vivi momentos inesquecíveis como artista e como público: fiz e ministrei oficinas, assisti shows incríveis e me apresentei incontáveis vezes. Entretanto, a experiência da Festa do Pau da Bandeira, confesso, não tinha vivido até então.
Me arrisco a dizer que essa paixão arrebatadora nasceu em mim pela energia surreal de um lugar que baila entre a fé e a festa, o divino e o profano.
É muito mais do que a abertura dos festejos juninos do Ceará, é um movimento coletivo de celebração e devoção a Santo Antônio e à cultura cearense, numa das festas populares mais democráticas que já vi.
As ruas são tomadas e atravessadas por formas diversas de expressar religiosidade e arte. É sobre cruzar com as beatas em penitência ao lado de uma fanfarra que comemora o tempo de colheita ao mesmo tempo que uma banda puxa o fole do forró das antigas na praça, misturando-se com o som dos pífanos dos Irmãos Anicetos, ao mesmo tempo que o reisado passa e você vê o Mateu e a Catirina e, bem ao lado, acontece o pau de fita, o pau de sebo e o Pau Mirim. Pode parecer um caos (e é), mas divinamente organizado.
Tanta coisa que quase esqueço de falar sobre ele, o tal do pau pelo qual me apaixonei. Pois trata-se de um bonito jatobá de 23 metros, que pesa quase três toneladas. O imenso tronco nativo é escolhido e retirado, dando lugar a 100 mudas, que garantem o reflorestamento e a tradição da festa, e carregado por 300 homens até à igreja de Santo Antônio, onde será erguido.
Eu jamais vou conseguir explicar para vocês o quanto emocionante é ver esse trajeto. A fé tem dessas.
A chegada do pau na cidade é algo apoteótico e mágico. Um comichão toma conta, borboletas passeiam no estômago, uma multidão chora, grita e aplaude a passagem da comitiva. Quem tiver sorte, consegue se aproximar, arrancar um pedacinho do pau, sentar, fazer pedidos e agradecer seus milagres. Em seguida, ele é hasteado, o céu se ilumina de fogos e a festa segue a cada esquina. Paixão total!
O Ceará sempre pode surpreender.
Ao Cariri mágico, colorido e festivo,
com amor,
Silvero Pereira