No início deste mês, tarifas abrangentes voltaram às manchetes quando o presidente dos EUA, Donald Trump, por meio de uma série de cartas, alertou que os países que não fecharem acordos comerciais com os EUA até 1º de agosto enfrentarão tarifas maiores.
Algumas delas refletem as taxas “recíprocas” anunciadas por ele em abril – a maioria das quais foi adiada logo depois –, mas outras divergem, com valores mais altos ou mais brandos. Até o momento, 24 países, incluindo parceiros-chave como Coreia do Sul e Japão, além da União Europeia, receberam notificação. A maioria das cartas seguiu um formato padrão, embora as enviadas ao Brasil, Canadá, UE e México incluíssem queixas mais detalhadas, descrevendo as preocupações específicas do líder americano.
De notável importância para a indústria do café é o Brasil, onde ele prometeu impor tarifas de até 50% sobre uma ampla gama de importações, incluindo muitas necessidades diárias dos americanos: carne bovina, açúcar, ferro, soja, laranjas e café.
Embora muitos países alvos dessas novas tarifas tenham déficit comercial com os EUA, o Brasil, na verdade, apresenta superávit comercial – sugerindo que a motivação por trás das tarifas sobre o maior exportador global de café é política, e não econômica. O anúncio citou o tratamento político injusto dado ao ex-presidente Jair Bolsonaro e “práticas comerciais desleais”.
Para o Brasil, isso representa uma séria ameaça econômica. O país é o segundo maior parceiro comercial dos Estados Unidos e o maior exportador global de café, soja, açúcar e carne bovina.
O café não é apenas uma das exportações mais emblemáticas do Brasil, mas também uma importante fonte de renda para a economia rural, empregando mais de 8 milhões de pessoas direta e indiretamente. Os Estados Unidos são, há muito tempo, o principal mercado do café brasileiro, que continua sendo o maior exportador mundial. Atualmente, 16,7% das exportações de café do Brasil vão para os EUA.
No entanto, quatro fontes comerciais disseram à Reuters que uma tarifa de 50% seria impraticável: as torrefadoras americanas dificilmente absorverão tal aumento de preço, e os exportadores brasileiros não podem se dar ao luxo de reduzir seus preços drasticamente. O resultado pode levar os compradores americanos a buscar outras origens, enquanto o Brasil redireciona os embarques para a Europa e a Ásia.
“Se a tarifa de 50% entrar em vigor, o café brasileiro perderá competitividade de preço fundamental nos EUA, especialmente nos segmentos comerciais, ameaçando laços de longa data entre produtores e torrefadores”, afirma Italo Henrique, Diretor Comercial da Expocacer no Brasil.
Na Expocacer, estamos nos preparando em várias frentes. Estamos diversificando as exportações para a Ásia, Oriente Médio e Europa, onde a rastreabilidade e o impacto são mais importantes do que o preço. Também estamos expandindo ofertas certificadas e diferenciadas para reduzir a dependência de vendas sensíveis ao preço. Por fim, estamos impulsionando os serviços de logística – importação, armazenagem, entrega – para ajudar os torrefadores a se manterem ágeis, apesar das interrupções na origem.
Embora as tarifas ainda não tenham sido implementadas e possam ser evitadas pela diplomacia ou por resultados eleitorais, a ameaça continua sendo uma preocupação para os produtores de café brasileiros e para o setor em geral.
Dito isso, notícias que teriam abalado os mercados alguns meses atrás não parecem ter a mesma urgência hoje. Um vídeo da Forbes relata que os mercados praticamente não se movimentaram após o anúncio. O vídeo afirma que, como se tornou consenso que as tarifas não serão aplicadas, os mercados não estão negociando em baixa por enquanto.
Enquanto isso, importadores dos EUA estão avaliando planos de contingência, desde o aumento de estoques até mudanças no relacionamento com fornecedores, e as partes interessadas do café brasileiro e os gestores de fundos de hedge estão acompanhando de perto os acontecimentos e avaliando suas opções para permanecer um passo à frente.
“Muitas torrefações têm adiado as reservas porque não têm certeza de como isso vai se desenrolar”, afirma Sean Capistrant, gerente comercial da Trabocca para os EUA. “As torrefações continuarão a fazer reservas com base em critérios de preço. Algumas torrefações acreditam que essas tarifas retornarão ao patamar de 10%, outras acreditam que elas vieram para ficar. Acreditamos que é melhor planejar a manutenção dessas tarifas.”
A Organização Internacional do Café (ICO) comentou à Coffee Intelligence que “a ICO está acompanhando atentamente as discussões internas no Brasil e também os esforços que a indústria americana vem fazendo para enfrentar esse desafio. Vamos aguardar mais esclarecimentos antes de fazer qualquer comentário.”
Tarifas, tensões e a conexão com a China
Embora as tarifas recentes pareçam enraizadas em tensões ideológicas com o presidente brasileiro, elas não estão isentas de um contexto geopolítico mais amplo.
Sob o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil aderiu à Iniciativa Cinturão e Rota, aprofundou a cooperação com os BRICS e assinou diversos acordos bilaterais com Pequim – incluindo acordos agrícolas sobre soja, carne bovina e, principalmente, café. O Brasil não é o único país dos BRICS alvo de novas tarifas potenciais – a África do Sul enfrenta tarifas potenciais de 30% e a Indonésia, de 32%.
“Os discursos recentes do presidente Donald Trump têm se referido ao alinhamento comercial e político cada vez mais próximo do Brasil com a China e outras economias não ocidentais, o que pode ter influenciado a decisão dos EUA de impor tarifas direcionadas”, diz Italo. “Nos últimos anos, o Brasil expandiu sua agenda comercial com os países do BRICS, em particular com a China, que agora é a principal compradora de soja, carne bovina e petróleo brasileiros.”
Dito isso, o setor cafeeiro opera com fundamentos distintos. O café não é apenas um produto básico da cultura, mas também um motor econômico nos EUA. E o café brasileiro, com sua escala, confiabilidade e papel sensorial em blends, está profundamente inserido nessa cadeia de valor.
Nesse contexto, cooperativas brasileiras como a Expocacer estão redobrando a aposta na diversificação, não apenas de mercados, mas também de papéis. Para lidar com isso, passamos a oferecer serviços estratégicos para cafés de diversas origens, incluindo logística e entrega para nossos clientes, agregando valor estratégico para além do produto em si. Isso nos torna não apenas um fornecedor, mas uma plataforma resiliente e voltada para soluções em um cenário de comércio global mais fragmentado.
O principal destino das exportações do Brasil em agosto de 2024 foi a China, com uma participação de 27,4%, seguida pela União Europeia (16%) e pelos Estados Unidos (6,7%). Ao mesmo tempo, o papel da China no setor cafeeiro brasileiro está crescendo. Embora ainda seja um importador relativamente pequeno de café, a China é o maior parceiro comercial do Brasil e um investidor estratégico em logística e infraestrutura que sustentam a capacidade exportadora de café do Brasil.
Em 2024, o Brasil e a China concordaram com um novo protocolo sanitário para facilitar a exportação de produtos alimentícios, um passo pequeno, mas simbolicamente significativo, para afastar o comércio de parceiros tradicionais como os EUA.
O desequilíbrio comercial dos EUA com o Brasil complica ainda mais a situação. Em 2024, os Estados Unidos registraram um superávit comercial com o Brasil de aproximadamente US$ 7,4 bilhões, exportando máquinas, aeronaves e produtos químicos em volumes muito superiores às importações brasileiras de ferro, café e outros produtos agrícolas.
Isso faz do Brasil uma exceção entre as nações ameaçadas pelas novas tarifas de Trump, juntamente com Canadá, México e UE – todos os quais também têm superávits comerciais com os EUA.
Se impostas, as tarifas retaliatórias do Brasil podem atingir duramente os exportadores americanos, da Boeing à Dow Chemical. Mas, com o comércio de café tão desequilibrado, os danos podem ser menos recíprocos do que disruptivos. Ao contrário da soja ou da carne bovina, onde o Brasil poderia, sem dúvida, reorientar as exportações para a China, o café destinado ao mercado americano é mais complexo: misturas, marcas e logística estão profundamente enraizadas em cadeias de suprimentos de longo prazo.
O efeito dominó no café global
Os efeitos de uma tarifa de 50% sobre as exportações de café brasileiro para os Estados Unidos repercutiriam em toda a indústria cafeeira global.
O Brasil é o maior produtor e exportador de café do mundo, responsável por cerca de 37% do fornecimento total mundial em 2024. Também é o definidor de preços de fato para os mercados globais de arábica e robusta, graças à sua escala e eficiência.
Se o café brasileiro subitamente ficar 50% mais caro nos EUA, as torrefadoras terão pouca escolha a não ser procurar em outros lugares. Mas nenhuma delas tem a escala, a consistência de preços ou a força logística do Brasil. Isso pode levar à escassez e a aumentos de preços, não apenas nos EUA, mas globalmente.
“O Brasil define a referência para a precificação do café, tanto no mercado futuro da ICE quanto em diferenciais físicos”, afirma Italo. “Uma ruptura dessa magnitude criaria turbulência, principalmente no curto prazo, à medida que o mercado americano se ajusta. No entanto, a ideia de que outras origens podem facilmente substituir o Brasil é equivocada.”
A maioria dos países produtores não tem a escala, a confiabilidade e o perfil sensorial do Brasil. O café brasileiro é essencial para os blends justamente por sua versatilidade, sabor limpo e custo-benefício. A substituição repentina não é viável operacional ou sensorialmente na maioria dos casos.
Outros mercados podem absorver temporariamente parte da demanda, mas isso provavelmente criaria gargalos, inflaria os diferenciais e reduziria a flexibilidade para as torrefadoras. Mercados fora dos EUA, por sua vez, poderiam se beneficiar do redirecionamento da oferta brasileira, mas essa não é uma mudança gradual. Exige tempo, logística, infraestrutura comercial e maturidade de mercado.
Os consumidores nos EUA podem ver os preços do café no varejo subirem consideravelmente, dependendo da duração do regime tarifário. Segundo a Barchart, “impostos de 50% sobre o Brasil elevariam o custo do suco de laranja e do café. Os preços da laranja subiram 3,5% apenas de maio para junho e estão 3,4% mais altos do que há um ano, informou o governo na terça-feira”.
Torrefadores especiais, fortemente dependentes de grãos brasileiros para blends e linhas de origem única, teriam que reformular seus produtos, provavelmente aumentando os preços ou repassando a volatilidade aos consumidores. Marcas de supermercados, que já repassam os custos aos consumidores para manter as margens de lucro intactas, podem voltar a origens mais baratas e de menor qualidade ou expandir o uso do robusta para manter as margens.
Outros países produtores podem se beneficiar no curto prazo. Mas isso também pode sobrecarregar suas próprias cadeias de suprimentos, elevando os custos locais e reduzindo a disponibilidade de exportação para outros mercados, incluindo Europa e Ásia.
“Historicamente, o Brasil tem os menores diferenciais em cafés especiais”, diz Sean. “Isso não acontecia há nove meses, então as torrefações já estão sendo criativas e improvisando. Não acredito que a diversificação do café brasileiro tenha a ver com a relação comercial entre China e Brasil. Tudo se resume ao preço.”
Já observamos uma mudança considerável para os naturais de menor qualidade na Etiópia. Muitos torrefadores estão buscando trocar o café brasileiro de alto diferencial por cafés de grau 4 e 5 da Etiópia. Isso, é claro, traz seus próprios riscos, com rotas indiretas de transporte, tempos de trânsito e estrutura de preços variável na Etiópia.
Em última análise, um mercado de café com tarifas punitivas sobre o Brasil seria mais fragmentado, volátil e geopoliticamente carregado. Exigiria uma reformulação dos fluxos comerciais, novos investimentos logísticos e uma reformulação estratégica por parte das marcas multinacionais. A longo prazo, isso pode até levar as torrefadoras americanas a investir mais na diversificação de origens, enfraquecendo a centralidade do Brasil.
Mas, no curto prazo, há pouca ambiguidade: o café ficaria mais caro e as cadeias de suprimentos mais frágeis.