Uma equipe de pesquisadores liderada pelo Museu Britânico descobriu a evidência mais antiga conhecida de produção de fogo, datando de mais de 400.000 anos atrás, em um campo em Suffolk. A descoberta mostra que os humanos já produziam fogo cerca de 350.000 anos antes do que se pensava.
Sítios arqueológicos na África sugerem que os humanos usavam fogo natural há mais de um milhão de anos, mas a descoberta no sítio paleolítico de Barnham evidencia a criação e o controle do fogo, o que tem enormes implicações para o desenvolvimento e a evolução humana. Até então, a evidência mais antiga conhecida de produção de fogo datava de 50.000 anos atrás, encontrada no norte da França. A evidência, provavelmente produzida por alguns dos grupos neandertais mais antigos, consiste em um pedaço de argila aquecida, machados de mão de sílex quebrados pelo calor e dois pequenos pedaços de pirita de ferro. Os pesquisadores levaram quatro anos para demonstrar que a argila aquecida não foi causada por um incêndio florestal. Testes geoquímicos mostram temperaturas acima de 700 °C com uso repetido do fogo no mesmo local do sítio – indicando uma fogueira, ou lareira, que foi usada por pessoas em diversas ocasiões.
A pirita é um mineral natural que pode ser usado para riscar sílex, criando faíscas para acender material inflamável. A raridade da pirita na região sugere que esses povos antigos tinham conhecimento de suas propriedades, sabiam onde encontrá-la e a trouxeram para o local para fazer fogo. Essa evidência corrobora outros indicadores de comportamento complexo em humanos antigos, numa época em que o tamanho do cérebro se aproximava dos níveis modernos.
Ponto de virada na história da humanidade
A capacidade de fazer fogo permitiu aos humanos a liberdade de escolher seus locais de acampamento, sem a necessidade de alimentá-lo constantemente, já que podia ser reacendido quando e onde necessário. Esse controle do fogo trouxe benefícios práticos de proteção e aquecimento, permitindo que os humanos se dispersassem e prosperassem em ambientes mais frios e inóspitos. Mais importante ainda, ampliou a gama de alimentos que podiam ser consumidos com segurança, removendo toxinas de raízes e tubérculos, ou patógenos da carne, através do cozimento. O amaciamento desses alimentos melhorou a digestão, liberando energia do intestino e nutrindo o cérebro. A capacidade de processar uma variedade maior de alimentos contribuiu para uma melhor sobrevivência e para a formação de grupos sociais maiores e mais complexos.
Vestígios do uso do fogo raramente sobrevivem e são notoriamente difíceis de comprovar. Cinzas e carvão podem ser facilmente levados pelo vento ou pela água, e sedimentos cozidos podem ser erodidos e dispersos. Artefatos aquecidos sobrevivem, mas muitas vezes é difícil descartar a possibilidade de queima acidental em incêndios florestais, o que torna a preservação das evidências de Barnham tão excepcional. Sítios arqueológicos notáveis no Reino Unido, França e Portugal apontam para um aumento na importância do fogo para os primeiros humanos entre 500.000 e 400.000 anos atrás. Barnham oferece uma explicação para isso: a introdução da técnica de fazer fogo.
Análises científicas corroboram a descoberta.
Pesquisadores de diversas instituições, incluindo a Universidade de Liverpool, contribuíram para a análise do sítio. O trabalho concentrou-se em determinar se os sedimentos avermelhados representavam uma lareira criada por atividade humana ou se eram resultado de processos naturais, como incêndios florestais ou alterações na cor do solo causadas pela oxidação. Tradicionalmente, as lareiras no registro arqueológico são identificadas por camadas avermelhadas sobrepostas por cinzas e carvão. No entanto, em Barnham — e em muitos outros sítios a céu aberto — o vento e a água frequentemente removem esses indicadores, deixando apenas manchas de argila avermelhada, o que dificulta a confirmação da presença humana.
Para solucionar esse problema, a equipe de pesquisa aplicou uma combinação de micromorfologia do solo, arqueomagnetismo e análise de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAPs) aos solos avermelhados e áreas adjacentes.
Em geral, as conclusões mostram que os humanos em Barnham criavam ativamente o seu próprio fogo. A presença de fragmentos de pirita no sítio arqueológico representa a evidência mais antiga conhecida da tecnologia de ignição por fricção. Esta descoberta amplia a cronologia da tecnologia de produção de fogo em aproximadamente 400.000 anos e estabelece Barnham como um ponto de referência global fundamental para as práticas mais antigas conhecidas de produção de fogo. Os resultados destacam como a capacidade de criar e controlar o fogo — um dos pontos de virada mais significativos da história da humanidade — teve benefícios práticos e sociais que alteraram a evolução humana, e esta descoberta extraordinária recua esse ponto de virada em cerca de 350.000 anos.
O trabalho também contou com a participação de colegas do Museu de História Natural de Londres, da Queen Mary University of London, da UCL e da Universidade de Leiden.
