Início » Litígio Ceará x Piauí: laudo do Exército completa 1 ano sem nenhum avanço no STF

Litígio Ceará x Piauí: laudo do Exército completa 1 ano sem nenhum avanço no STF

Responsável pela defesa do Ceará, PGE tem usado esse tempo para elaborar a manifestação do Estado sobre a perícia

por gazetalitoranea.com.br
20 visualizações Luana Barros/Diário do Nordeste
Litígio Ceará x Piauí

Considerado fundamental para a resolução da disputa territorial entre o Ceará e o Piauí, a entrega do relatório da perícia nas áreas de litígio, realizada pelo Exército brasileiro ao Supremo Tribunal Federal (STF), completa, neste sábado (28), um ano. Desde então, nenhuma movimentação foi registrada no processo.

Procuradoria Geral do Estado do Ceará (PGE-CE), responsável pela defesa do Ceará na Corte, não considera a demora incomum. O tempo tem sido utilizado para a análise aprofundada do laudo do Exército e a elaboração da manifestação que deve ser feita pelos dois estados ao Supremo, explica o procurador-geral Rafael Machado Moraes.

Ele destaca que a “complexidade” do relatório produzido pelo Exército exige “um tempo maior de dedicação de ambos os Estados na análise”. O documento conta com mais de 350 páginas e levou quase cinco anos para ser concluído — a perícia começou a ser realizada em 2019, mas foi interrompida durante a pandemia de Covid-19.  Depois disso, ela só foi retomada em setembro de 2023.

“A PGE-CE compreende que o último ano, desde que o laudo foi juntado ao processo pelo Exército, é também um tempo de dedicação de ambos os Estados na análise desse documento para apresentarem suas manifestações, uma vez que o prazo, quando for aberto pelo Supremo, é de apenas quinze dias.”
Rafael Machado Moraes
Procurador-geral do Ceará

Apenas após a manifestação dos envolvidos, é que a relatora do caso, ministra Cármen Lúcia, pode liberar o processo para apreciação dos ministros no Plenário do Supremo, a começar por ela, que será a primeira a ler o voto sobre o impasse.

Contudo, não há prazo para isso ocorrer. A título de exemplo, outro litígio entre estados brasileiros — que envolve Bahia, Goiás, Tocantins e Piauí — tramita no Supremo Tribunal Federal há quase 40 anos.

O que diz o laudo do Exército sobre o litígio?

A perícia foi realizada pelo Serviço Geográfico do Exército Brasileiro após ser determinada por Cármen Lúcia em 2019. O laudo sobre a divisa entre o Ceará e o Piauí foi adiado mais de uma vez, inclusive por conta da pandemia de Covid-19, mas acabou sendo entregue no final de junho do ano passado.

O relatório não determina a quem pertencem as terras sob disputa, mas elenca cinco alternativas para a solução do impasse, apresentando “possibilidades na variação das linhas de divisa entre os Estados do Piauí e do Ceará”.

Além disso, a perícia também descartou mapas históricos para traçar a divisa entre os dois estados, devido a “imprecisão em sua representação” e confirmou a “maior participação administrativa, de infraestrutura e populacional” do Ceará nas áreas de litígio e nas regiões complementares — estas últimas são territórios que o Exército propõe incluir na disputa territorial.

Inclusão de terras no litígio

Dentre as conclusões do laudo, o Exército propõe a inclusão de novas áreas no litígio — as chamadas “Regiões Complementares”. No total, seriam incluídos 497 km², que contariam tanto com territórios cearenses como piauienses.

No pedido original, estão em disputa apenas territórios pertencentes a municípios cearenses. O Piauí reivindica cerca de 2,8 mil km², uma área que impacta 13 municípios cearenses, todos localizados na Serra da Ibiapaba. No total, 25 mil pessoas vivem nas terras do litígio entre os estados e existem mais de 380 bens pertencentes ao Ceará – entre escolas, unidades de saúde, torres eólicas, Unidades de Conservação (UCs), assentamentos rurais e quilombolas, terras indígenas e sítios arqueológicos.

As regiões complementares definidas pelo Exército, apesar de incluírem terras pertencentes ao Piauí, estão mais concentradas em terras do Ceará. Entre as cidades piauienses, só Cocal possui terras dentro dessa área, com cerca de 20 km² incluídos pelo laudo. A população estimada é de 436 habitantes.

Do lado do Ceará, são oito municípios envolvidos: Tianguá, Ubajara, Ibiapina, Carnaubal, Guaraciaba do Norte, Croatá, Poranga e Crateús. Juntos, as áreas representam 474 km² de terras cearenses. Nessas terras, vivem cerca de 15,8 mil pessoas – o que representa 97,2% da população que pode passar a ser impactada pela disputa territorial.

“Essas Regiões Complementares apresentam as mesmas características das Áreas de Litígio, ou seja, são ocupadas pela população de ambos os Estados, tiveram equipamentos públicos e privados implementados, porém, não respeitam os limites existentes nos mapas e cartas”, justifica o laudo.

Litígio Ceará x Piauí

Alternativas para demarcar divisa entre Ceará e Piauí

O relatório apresenta cinco soluções para demarcar a divisa entre os dois estados de forma a resolver o litígio, mas não é conclusivo sobre qual delas seria a melhor alternativa, apesar de demarcar mais pontos desfavoráveis em algumas delas.

Na primeira delas, por exemplo, em que é sugerido usar o divisor de águas para traçar a divisa entre Ceará e Piauí, o laudo aponta que a solução “extrapola” os limites da ação em tramitação no Supremo  e “contraria os mapas históricos e a ocupação territorial”.

Nessa opção, o Ceará perderia mais que o dobro da área reivindicada atualmente, que é de 2,8 km². “O Estado do Piauí receberia uma área ocupada pelo Estado do Ceará de 6.162 km², contendo três municípios na sua totalidade, sete sedes municipais e 36 distritos, todos administrados pelo Estado do Ceará”, diz o laudo.

A segunda alternativa apresentada é de dividir de forma equivalente a área em disputa, mas o próprio laudo aponta que não há documentos históricos ou mapas que “aparem essa representação”. Além disso, nessa opção, não haveria uma distribuição equitativa de edificações e população afetada em cada estado.

As terceira e quarta alternativas afetam “negativamente”, respectivamente, apenas o Ceará ou apenas o Piauí, segundo a avaliação do Exército.

Na terceira, todo o território em disputa seria transferido ao Piauí – somando 3.825 edificações pertencentes ao Ceará e afetando uma população de mais de 512 mil pessoas. Já na quarta, o Ceará manteria todo o território em disputa, o que também é considerado ‘negativo’ pelo Exército.

Além disso, ambas as alternativas contrariam o Decreto Imperial 3.012, de 1880, assinado por D. Pedro II e que foi o documento base usado pelo Piauí para iniciar a ação no Supremo.

A última alternativa seria a divisa ser delimitada de acordo com o que foi adotado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no Censo Demográfico 2022. “Nessa possibilidade, o Estado do Ceará receberia 2.606 Km² de área, não receberia nenhuma edificação e não teria sua população afetada. O Estado do Piauí receberia 713 km² de área, não receberia nenhuma edificação e não teria sua população afetada”, lista.

O laudo reforça que a solução é a que “menos afetaria os Estados atualmente, em termos populacionais e de edificações”, mas que possui “inconsistências”.

Maior presença do Ceará nas terras em litígio

O laudo do Exército elencou as edificações presentes nas áreas de litígio — presentes na ação original — e nas regiões complementares e constatou que “os equipamentos instalados são assistidos, em sua maioria, pelo Estado do Ceará”.

Segundo o relatório, são administradas pelo Ceará, nas áreas de litígio e regiões complementares:

  • 68,5% das unidades escolares;
  • 75% das unidades de saúde;
  • 67,66% dos depósitos de armazenamento de água;
  • 75,16% dos trechos de energia; e
  • 94% das rodovias.

O Ceará “possui maior participação administrativa, de infraestrutura e populacional das Áreas de Litígio e Regiões Complementares”, conclui o relatório.

Mapas históricos descartados

No total, o Serviço Geográfico do Exército Brasileiro analisou 90 documentos cartográficos sobre as divisas entre Ceará e Piauí. Os documentos foram produzidos entre os anos de 1760 e 2022 por órgãos oficiais ou particulares.

Ainda assim, as análises de mapas e cartas históricas não ajudaram a “definir a localização exata da linha de divisa entre os dois Estados” e acabou sendo descartada nas conclusões.

Segundo o texto, não é possível “reconstruir a divisa entre os Estados” a partir dos mapas históricos apresentados “uma vez que existe imprecisão em sua representação”.

“Esta imprecisão é fruto da tecnologia utilizada na época e da escala adotada para a representação territorial”, explica o laudo. Tanto o Ceará como o Piauí vinham apresentando mapas de séculos passados para embasar as argumentações.

Apesar de descartar documentos cartográficos, o laudo ressalta a importância de outro documento histórico para a resolução do impasse: o Decreto Imperial n° 3.012, de 22 de outubro de 1880, descrito como “elemento-chave” para a resolução da disputa.

“O referido decreto consolida uma discussão que se iniciou no Parlamento Brasileiro em 1827, com a solicitação da então Província do Piauhy de expansão do seu litoral, que procurou materializá-la em sua promulgação em 1880. No entanto, sua interpretação gerou dúvidas que persistem e têm reflexos até os dias atuais”, argumenta o laudo.

Laudo do Exército é ‘favorável’ ao Ceará

Logo após a divulgação do laudo, a Procuradoria-Geral do Estado, em nota divulgada junto com o Grupo Técnico de Trabalho do Governo do Ceará que acompanha o litígio, pontuou que o documento produzido pelo Exército “corrobora os argumentos e elementos apresentados pelo Ceará”.

Um dos pontos é que o laudo afirma que, apesar de mapas históricos não serem suficientes para determinar a divisa entre os dois estados, é possível perceber que “a linha de divisa representada na maior parte dos Mapas analisados não passa pelo divisor de águas e sim pela porção oeste da Serra da Ibiapaba”.

O Piauí defende que a divisa seria demarcada segundo divisor de águas, enquanto a tese defendida pelo Ceará é de que a referência a porção oeste da Serra da Ibiapaba. “Ou seja: a Serra da Ibiapaba é, segundo o laudo, historicamente, pertence ao território cearense”, dizia a nota.

O laudo também descarta o uso da Convenção Arbitral de 1920, que seria favorável ao Piauí, para a resolução da disputa, já que “não foi gerado um documento com valor legal que pudesse subsidiar o fim do litígio”, segundo o laudo.

Também afasta a interpretação de que o Decreto Imperial teria definido integralmente as divisas entre os dois Estados, o que é defendido pelo Piauí. “Verifica-se que a intenção dos deputados à época era de definir os limites somente nas áreas citadas e não em toda a extensão da Serra da Ibiapaba”, disse.

Contrariando a conclusão do Governo do Ceará, o Piauí considerou que o laudo pericial do Exército teria sido, na verdade, favorável ao lado piauiense.

Em Live PontoPoder, no início de julho de 2024, o procurador-geral do Ceará, Rafael Machado Moraes chamou o discurso do Piauí de “devaneio jurídico” e classificou-o como “falacioso”.

“Eu não sei qual o laudo o Estado do Piauí está lendo ou leu, o que eu li, que é o que está divulgado no site do Supremo Tribunal Federal, é claro nas suas conclusões em relação à tese do Estado do Piauí. Do nosso ponto de vista, embora eu tenha a percepção de que existe uma narrativa política por trás dessa questão no Piauí, é um discurso falacioso, na verdade, é um devaneio jurídico, não há embasamento legal nenhum para isso, é uma aventura verdadeiramente jurídica”.
Rafael Machado Moraes
Procurador-geral do Ceará

Um ano depois, ao PontoPoder, o procurador-geral voltou a reforçar que o laudo pericial do Exército é considerado “favorável aos cearenses ao tempo em que afastou argumentos apresentados pelo Autor da Ação (Piauí)”. Ele pontua ainda que aguarda agora a abertura de prazo para a manifestação dos Estados junto ao Supremo Tribunal Federal. “A PGE-CE segue firme na defesa do estado do Ceará, buscando resguardar os direitos dos cearenses ao território questionado na Ação”, concluiu

Posts Relacionados

Deixe um Comentário

A Gazeta Litorânea está focada nas últimas notícias do Ceará e temas de interesse do litoral Leste, bem como nos eventos nacionais e internacionais que, em um mundo tão conectado, têm impactos diretos no nosso cotidiano.

©2024 Gazeta Litorânea. Todos os direitos reservados. Desenvolvido por Kyko Barros Media Services.

-
00:00
00:00
Update Required Flash plugin
-
00:00
00:00