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Dnocs: a lenta agonia de um grande orgulho nordestino

Governo corta R$ 150 milhões do orçamento do órgão contra as secas e põe em risco segurança dos açudes nordestinos

por gazetalitoranea.com.br
17 visualizações Por Egídio Serpa/DN
Dnocs: a lenta agonia de um grande orgulho nordestino

Desfizeram-se todas as dúvidas que existiam a respeito, pois o que agora está claríssimo é a intenção das autoridades de Brasília de desligarem os aparelhos por meio dos quais ainda respira o centenário Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs).

No dia 30 do último mês de maio, foi publicado no Diário Oficial da União o decreto de número 12.477, que, sem mais nem menos, cortou R$ 150 milhões do orçamento do Dnocs para este ano. Consequência: foi paralisada a vigilância de todos os açudes construídos e administrados pelo Dnocs no Nordeste e no Norte de Minas Gerais, sua área de atuação.

O Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal no Ceará (SINTSEF-CE) transmitiu mensagem a esta coluna, informando que já foram demitidos 100% da equipe terceirizada responsável pela vigilância dos reservatórios e, também, 50% dos trabalhadores de sua manutenção, “comprometendo seriamente a segurança hídrica” de toda a região nordestina.

Vamos por partes. Criado em 1909, com o nome de Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), que, em 1919, ganhou a expressão Federal para tornar-se IFOCS, o Dnocs recebeu seu nome atual em 1945.

Ao longo de sua extensa vida de intensas atividades, o Dnocs – que em 1964 se tornou uma autarquia com autonomia técnica, administrativa e financeira, vinculada ao então Ministério de Viação e Obras Públicas (MVOP) – foi, digamos assim, a Universidade do Nordeste Semiárido.

Foram o Dnocs e o seu extraordinário e invejável time de doutores e mestres nos diferentes ramos da ciência – engenharia, biologia, arquitetura, ictiologia, piscicultura e aquicultura – que criaram e construíram a base da infraestrutura rodoviária e aeroportuária que a região nordestina tem hoje.

Foram eles que planejaram e implantaram os grandes açudes que hoje garantem, em quase todos os estados do Nordeste, o abastecimento de água de grande, médias e pequenas cidades. E foram eles que instalaram os primeiros projetos de irrigação da região, boa parte dos quais no Ceará, ponto de partida para o que é hoje o Polo Fruticultor de Petrolina (PE) e sua vizinha Juazeiro (BA), o mais importante do país.

Este colunista testemunhou, pessoalmente, há mais ou menos 50 anos, o momento em que os biólogos do Dnocs, na Estação de Piscicultura e Ictiologia de São Gonçalo do Amarante, celebraram o êxito de suas pesquisas que culminaram com o processo de hipofisação de que resultou a tilápia híbrida, produto do cruzamento da tilápia hornorum com a tilápia nilótica, ambas africanas, trazidas do rio Nilo. Hoje, essa tilápia é o peixe produzido e mais consumido pelas populações do interior nordestino.

O Castanhão, o Orós, o Banabuiú e o Araras, no Ceará; o Armando Ribeiro Gonçalves, no Rio Grande do Norte; o Curemas, o Mãe D’água e o Epitácio Pessoa, na Paraíba; e o Poço da Cruz, em Pernambuco, são algumas das mais de 60 grandes e médias barragens construídas pelo Dnocs. Hoje, alguns desses reservatórios estão ligados ao Projeto São Francisco de Integração de Bacias.

Os campos de pouso de aviões das cidades do sertão nordestino foram construídos, ao longo do século passado, pelo Dnocs e depois assumidos pelos governos estaduais, que os modernizaram e os transformaram em aeroportos.

Pois toda essa bela história do Dnocs, que foi um centro de excelência do serviço público brasileiro, está registrando hoje um triste final. E a culpa é do que a política tem de pior e de mais lamentável.

Quando os maus políticos (há os bons, que, infelizmente, são minoria) decidiram tirar os técnicos do Dnocs e substitui-los por seus apaniguados, o que era o orgulho dos nordestinos passou a ser um ponto de grande decepção. O Dnocs, que há 10 anos tinha 2.500 funcionários, tem hoje apenas 400, boa parte dos quais à beira da aposentadoria.

Não há dúvida de que Brasília quer extinguir o Dnocs e transferir suas tarefas para a Codevasf, que, também, tem sido atacada pelo mesmo vírus da má política e dos maus políticos – basta ler as últimas crônicas da mídia jornalística, que abordam casos de desvio do dinheiro público naquela empresa, que tem sede onde? Em Brasília. E assim caminham o Nordeste e os nordestinos – o Ceará e os cearenses no meio, todos chorando a tristeza causada pela irresponsabilidade e a incompetência.

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